Agora tenho 60. O frio atravessa a minha pele estragada, esfregada pelo tempo, velha, permeável. Pergunto-me se sou feliz. Sei que não existe chave para o baú que guarda a resposta. Imagino todos os momentos que ficaram, que me acompanharam - no fundo, que me enchem - e são sorrisos, e são olhos fechados em profunda tristeza. Paro. Grito. Grito tão alto, que perco o folgo, que fico tonto.
Lembro-me de todos os nomes que ouvi, todas as faces, todos os olhares, todas as palavras, todos os abraços, todos os beijos. Lembro-me tão bem, tão intensamente que desejava não me lembrar. Lembro-me, mas só dos que me fizeram. Os que ficaram - e amo-os - os que nunca mais vi - e queimam-me o peito na ausência - os que nunca mais senti - e desejo a morte a dor tão insuportável do que nunca mais ser para quem amamos - os de quem me separei - e mereço o orgulho que me queima sem descanso, sem misericórdia - os que vi partir - e ainda hoje sinto-lhes o odor, sinto-os e choro. Olho para mim e sei que não valho por mim mesmo. Que só, sou tão invisível como a lua nova na noite. E sorrio porque assim sei que sou Homem. Porque sinto. O que realmente importa não sou eu, nunca fui, sendo-o sempre. É uma parábola imensa. Uma valência. Uma combinação. Uma balança.
Hoje tenho 60, e não os tenho na realidade, sei-o bem. E quem me conhece também o sabe. E quem não me conhece, pode imaginá-lo. Hoje sei a importância das coisas, mas antes também o sabia. Embora o saber não ocupe lugar, por si só não nos impede de cometer erros. Porque os cometi, cometo, cometerei. Eu não gosto de errar, ainda assim existe esse espaço nas coisas. Os pensamentos atravessam a minha pele estragada, esfregada pelo tempo, velha, permeável.
Eu sei o que realmente importa. E quando o que me vale esvanece, fico velho.
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