Pedro, escrevo-te para que me leias ao meu neto. Mas peço-te que me leias com entoação, com o teatro das coisas, para desculpar as minhas falhas na escrita, a minha falta de atenção. Bem sabes que não sou escritor. Preciso que me leias. Que me leias ao Diogo. Para que, num momento qualquer, ele me tenha. O meu querido Diogo me tenha. Tenho saudades, sabes? Saudades de te ver. Saudade de vos ver. Esventra-me tanto esta nossa maldição. Mas não te quero ocupar na minha tristeza. Desculpa-me. Lê-me.
Era uma vez, num mundo para além das estrelas, para além dos sonhos, para além de tudo o que se pode ver, um homem velho. Um homem muito velho que se esqueceu quem era. Vivia sozinho, entre os dias, entre os pensamentos: dentro dele mesmo. Reza a história, que num dia de Outono - era ele ainda novo - na vontade de se tornar o homem mais importante de todos os homens, se engoliu a ele próprio. E desde então, viveu só para si. Dentro dele. Porque se engoliu. Foi de facto o homem mais importante de todos, pois era só ele. Porque dentro dele, na sua vaidade, havia apenas espaço para ele e para mais ninguém. Acordava sozinho. Almoçava sozinho. Conversava sozinho. Jantava sozinho. Dormia sozinho. E assim se iam passando os dias, ele e a sua vaidade. Com o passar do tempo, ia-se esquecendo das coisas: das pessoas que amava, das memórias que trazia, do homem grandioso que outrora realmente fora. E foi ficando velho, ele e a vaidade. Juntos ficavam velhos. Sem histórias. Foram deixando de se falar. Juntos se apercebiam que eram reis de coisa alguma. Ora certo dia, entre todo o silêncio que o habitava, gritou. Gritou de tal maneira, que tudo dentro dele estremeceu. Dizem que foi nesse dia que acordou. Que saiu de dentro dele mesmo. Mas não tinha ninguém à sua volta. Era tudo tão árido como quando se tinha dentro dele. Um deserto. Não havia ninguém. Ninguém. Nem mesmo a vaidade do seu lado como antigamente. Então sentou-se, e ali ficou a chorar durante muitos dias, tantos dias que lentamente se foram formando rios das suas lágrimas. Rios da sua tristeza. Era um homem velho, sem ninguém. A sua tristeza que agora banhava o deserto. Porque um dia se engoliu. E agora, esqueceu-se quem era. Mas á medida que o tempo ia passando, também por ele passavam memórias distantes. Memórias perdidas. Memórias de quem fora. A sua família. A mulher. O seu filho. Lembrava-se. E o arrependimento habitava dentro dele. Era, agora, um homem velho arrependido. Saudoso dos seus. Trouxe-lhe o vento, que tinha um neto. Meu deus, um neto, dizia baixinho. E foi nesse dia que decidiu escrever uma carta. Escrever o seu arrependimento. Escrever a sua saudade. A sua vontade de mudar. A sua vontade de os abraçar. E escreveu. No fim, deu a carta ao vento para a entregar. E até hoje, o homem velho espera. Ele e o arrependimento. Ele e a saudade.
E assim, o homem velho, muito velho, aprendeu a sua lição: não há nada mais importante na vida do que as pessoas que nos amam. Que na vaidade de nós mesmo, não sobra coisa alguma.
Meu querido filho, perdoa-me.
[Pai, tenho pena do homem velho. Espero que o perdoem. O pai chora.]
Era uma vez, num mundo para além das estrelas, para além dos sonhos, para além de tudo o que se pode ver, um homem velho. Um homem muito velho que se esqueceu quem era. Vivia sozinho, entre os dias, entre os pensamentos: dentro dele mesmo. Reza a história, que num dia de Outono - era ele ainda novo - na vontade de se tornar o homem mais importante de todos os homens, se engoliu a ele próprio. E desde então, viveu só para si. Dentro dele. Porque se engoliu. Foi de facto o homem mais importante de todos, pois era só ele. Porque dentro dele, na sua vaidade, havia apenas espaço para ele e para mais ninguém. Acordava sozinho. Almoçava sozinho. Conversava sozinho. Jantava sozinho. Dormia sozinho. E assim se iam passando os dias, ele e a sua vaidade. Com o passar do tempo, ia-se esquecendo das coisas: das pessoas que amava, das memórias que trazia, do homem grandioso que outrora realmente fora. E foi ficando velho, ele e a vaidade. Juntos ficavam velhos. Sem histórias. Foram deixando de se falar. Juntos se apercebiam que eram reis de coisa alguma. Ora certo dia, entre todo o silêncio que o habitava, gritou. Gritou de tal maneira, que tudo dentro dele estremeceu. Dizem que foi nesse dia que acordou. Que saiu de dentro dele mesmo. Mas não tinha ninguém à sua volta. Era tudo tão árido como quando se tinha dentro dele. Um deserto. Não havia ninguém. Ninguém. Nem mesmo a vaidade do seu lado como antigamente. Então sentou-se, e ali ficou a chorar durante muitos dias, tantos dias que lentamente se foram formando rios das suas lágrimas. Rios da sua tristeza. Era um homem velho, sem ninguém. A sua tristeza que agora banhava o deserto. Porque um dia se engoliu. E agora, esqueceu-se quem era. Mas á medida que o tempo ia passando, também por ele passavam memórias distantes. Memórias perdidas. Memórias de quem fora. A sua família. A mulher. O seu filho. Lembrava-se. E o arrependimento habitava dentro dele. Era, agora, um homem velho arrependido. Saudoso dos seus. Trouxe-lhe o vento, que tinha um neto. Meu deus, um neto, dizia baixinho. E foi nesse dia que decidiu escrever uma carta. Escrever o seu arrependimento. Escrever a sua saudade. A sua vontade de mudar. A sua vontade de os abraçar. E escreveu. No fim, deu a carta ao vento para a entregar. E até hoje, o homem velho espera. Ele e o arrependimento. Ele e a saudade.
E assim, o homem velho, muito velho, aprendeu a sua lição: não há nada mais importante na vida do que as pessoas que nos amam. Que na vaidade de nós mesmo, não sobra coisa alguma.
Meu querido filho, perdoa-me.
[Pai, tenho pena do homem velho. Espero que o perdoem. O pai chora.]
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