domingo, 14 de novembro de 2010

escrito VI

marioneta
[Bloco de matéria, preso a cordel, em mãos que não as minhas. ensaios.
]

Ficcionas-me nos teus teatros pessoais. Jogas-me. Prendes-me. Moves-me na imobilidade da minha vontade. Usas-me. Atiras-me. Chamas-me ao palco e aplaudes a coreografia que me obrigaste. Agarras-me. Violas-me com o olhar. Esvazias-me. Sujas-me. Tenho-me na sensação de já não ser, senão, uma extensão tua: marioneta. Forças-me a um sorriso, e dizes baixinho: amo-te. Magoas-me. Usas-me, amor. Gostas que te chame assim, amor. Amo-te, dizes. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Desbastas-me com palavras usadas. Amo-te, sorris. Rasgas-me o corpo nessas verdades, esgotadas: ilusões. Amo-te. Não te respondo. Amarras-me, e segredas-me, se me abraçares no fim, dou-te a chave para a rua, não é isso que queres? Choro. Amarras-me. A corda queima-me os pulsos. Choro, e tu sorris. Sorris à ironia da situação. Usas-me enquanto sorris. Vá, abraça-me, berras. Os pulsos em sangue. A corda nos pulsos. Abraça-me, sorris. Não consigo soltar-me. Tu sabes que não. Ris enquanto me vês cada vez mais vazio. Usas-me. Serves-te de mim. Acabas. Murmuras, amo-te. Soltas-me. Desapareces na sombra, como todas as outras noites. Já não me chamas pelo nome. Na verdade, não nos falamos há muito tempo. Desapareces na sombra. O sal cristaliza-se na face. Já não choro. Morro. Todos os dias, morro um bocadinho. Odeio-te por isso. Sei onde guardas o revólver. Tenho-te raiva. Na caixa de sapatos. Seguro o revólver, gemo a emoção da vingança. Já me tiraste tudo. Que diferença faz? Desapareço na sombra. Chamo-te. Olhas-me. Olho-te. Dizemos tudo, ali, num olhar. A tua pele rosa-cançada, rosa-suada. Ardo por dentro. Ainda me doem os pulsos. Queres dizer-me alguma coisa, mas já nem sabes como se fala um sentimento. Mato-te, digo. Os teus olhos abrem-se em força. Mato-te, sorrio. O gatilho. O som grave da decisão. O som ensurdecedor da bala. O revólver no chão, fumegante. Olhas-me. Choras. Olhas-me, envolto no sangue que escorre do meu cérebro, doente de ti. Mato-te, disse-te. Mato-te aos bocadinhos, enquanto morro aos teus olhos. Mato-te devagarinho, lembra-te alguma coisa? Morro.

Soltam-se as linhas da noite,
Desliza o véu no horizonte, lentamente,
Soltam-se os pregos das linhas, levemente:

- Solver subtil da escuridão

Largada dos sonhos,
O despertar.

Sobriedade dos movimentos,
Tombar dos pensamentos, selvagens.
Cena primeira do imediato matutino,
Em palco de nomes,
Palco de caras, palco
De estrelas de cartaz,
Guiões para corações de chumbo,
Encenação de coisa alguma.

E eu, ficção de alguém,
Em película de papel:

- Às mãos de amassar.

[Aguardo-te no horizonte, noite, para que me possuas nos teus mistérios, e me livres das marionetas que me moldam a alma, e me cegam os olhos, no crude ardente da manhã.]




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