terça-feira, 16 de novembro de 2010

escrito VIII

sentidos do amor
[Vai-nos minando o tempo, o tempo - o cancro enorme. Cesário Verde]


Sofia, 38 anos. Hugo, 40 anos.


Do silêncio entre duas pessoas. Cinzento: o mar, o céu. Esse grande horizonte que se confunde, que se enlaça: papel de cenário: o nosso. Ouço gaivotas gritarem loucuras, palavras soltas, declarações de amor, avisos de guerra, o tempo, o mar. Caminhamos, mas não falamos. Fingimo-nos distrair com a locomotiva que atravessa a praia, sob uma fina cortina de chuva. Caminhamos, mas não falas. As palavras parecem pequenos espinhos. Podia dizer-te tanta coisa. São tantas as coisas que deixamos de dizer. As palavras custam a sair, magoam. Não falo. Para trás ficam as nossas pegadas, lado a lado, pequenos vazios que deixamos na areia, a medo. Do silêncio entre duas pessoas, fica o incómodo dessa ausência que se espreguiça no corpo. Receio este nosso destino.


Daniel, 26 anos.

O que me queima, nem eu mesmo sei bem. Uma impossibilidade, por certo. Não sei. Um arrepio que queima. Adormeço na tontura de um pensamento teu só teu. Meu, por ser dentro de mim: teu. Imagino os ensaios possíveis entre os nossos nomes, e dói-me o córtex por tê-los assim, tão frágeis, tão longe da matéria das coisas claras, reais. Dói-me. Dói-me muito. Dói-me mesmo muito. Dói-me tanto: o platonismo das minhas gavetas, o quarto das minhas ficções, a janela que me olha com a realidade nos vidros. Um arrepio em negação. Tenho a paixão pelas coisas, nos olhos. Li há pouco tempo, que o cérebro recebe dois terços de todos os impulsos nervosos, através da visão. É essa, então, a proporção daquilo que me ocupas: a medida do meu olhar. Doem-me os olhos. Doem-me muito os olhos. Doem-me mesmo muito os olhos. Doem-me tanto: ver-te e não te poder contar desta inflamação, ver-te e não te poder tocar, ver-te e saber tudo isto impossível. e dói tanto.


Joana, 14 anos. David, 13 anos.

- Sabes ... amo-te! sussurrou Joana corando as maças do seu rosto
- Amor? Como sabes que me amas?
- Encosta o teu ouvido no meu coração e logo saberás ...
- Está bem! - david desenterrou os pés da areia molhada e logo se encostou contra o peito de joana - ouço apenas o teu coração a bater ... isso não é amar! disse numa inocente indignação de rapazinho enganado.
- Tens de ouvir com atenção ... shiuuuuu, assim não consegues - disse enquanto o abraçava docemente - a cada batida do meu coração podes ouvir o nascimento de uma nova estrela, em cada pausa um sorriso ansioso por te ter sempre comigo, e em cada ciclo todo o Universo a mover-se, pois é sinal que ainda te tenho e só assim este faz sentido.
David sorriu, agora ele também corado.
- Então, eu também te amo!


1 comentário:

  1. "- Tens de ouvir com atenção ... shiuuuuu, assim não consegues - disse enquanto o abraçava docemente - a cada batida do meu coração podes ouvir o nascimento de uma nova estrela, em cada pausa um sorriso ansioso por te ter sempre comigo, e em cada ciclo todo o Universo a mover-se, pois é sinal que ainda te tenho e só assim este faz sentido."
    (Tinha de lhe dar ênfase. Está...é...tão assim.), Luís.
    Beijo, Locas

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